Como muitos já devem ter sentido no bolso, o gás de cozinha (GLP) voltou a encarecer no país, mesmo que em meio à maior crise econômica do século. E o cenário ainda pode piorar. A Associação Brasileira dos Revendedores de Gás Liquefeito do Petróleo (Asmirg) estima que o preço de revenda do botijão de 13kg possa chegar a R$ 150 ainda neste ano, ainda havendo uma estimativa mais pessimista de se chegar à casa dos R$ 200 reais!
A própria associação pontua o maior causador deste preço abusivo, a política de preços da Petrobrás. Neste texto tratarei deste, e de outro fator que agravará o problema, o aumento da concentração do mercado por empresas privadas na distribuição e revenda de GLP, após a venda da estatal Liquigás para duas de suas maiores concorrentes – na verdade, a criação de um oligopólio puramente privado no setor decorrente da política privatista da direção da Petrobrás e do governo.
A política de preços da Petrobrás
O GLP, assim como os combustíveis (gasolina e diesel), tem "como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias, por exemplo"[2]. Desde 2016, após o impeachment de Dilma, Pedro Parente, que assumiu a presidência da Petrobras nomeado por Michel Temer, mudou a política de preços para os produtos resultantes do refino de petróleo da estatal. Apesar dos preços dos produtos do setor de petróleo e derivados serem livres desde 2002, o peso da estatal, que possui 98% da capacidade de refino do país, acaba determinando o seu patamar, e por isto a política da Petrobrás é tão importante para a formação do preço da gasolina, diesel e botijão de gás. Esta política não leva em consideração nem os custos reais de produção, nem o mercado doméstico, e sim o que acontece nos mercados internacionais[3].
O resultado da aplicação desta política pode ser visto no Gráfico 1, onde estão os valores reais (deflacionados para o mês de dezembro de 2020 pelo IPCA). Em termos reais, de agosto de 2016 até janeiro deste ano, o preço do GLP subiu 21,3% – em termos nominais o aumento foi de 42,4%.
Gráfico 1 – Preço médio mensal de revenda de GLP (13kg) no Brasil – em valores reais de dezembro de 2020
Mas não é só isso. O preço do produtor (no caso, a Petrobrás) em si representa apenas metade da composição final do preço que pagamos. O preço do botijão de gás é composto por 47% do preço do produtor, 18% por tributos (estaduais e federais) e 35% de valor pago aos distribuidores e revendedores. Como os distribuidores e revendedores mantêm a sua margem de revenda mais ou menos constante ao longo do tempo, o encarecimento do GLP é repassado integralmente para o bolso do consumidor (aumentando assim o lucro absoluto destas empresas).
Gráfico 2 – Composição do preço ao consumidor do GLP (Janeiro de 2021)
A criação de um oligopólio privado
O segundo fator de encarecimento do GLP, o qual será agravado com a política privatista do governo, se situa na distribuição e revenda. Para dezembro de 2019, último dado disponibilizado pela ANP, o setor tinha a distribuição de participação de mercado como mostramos no Gráfico 3. Eram basicamente seis empresas que dominavam quase 100% do mercado. No entanto, uma delas era estatal, a Liquigás.
A Liquigás teve sua privatização concluída em dezembro de 2020, vendida para a Copagaz e Nacional Gás – duas das suas principais concorrentes, como pode ser visto no gráfico abaixo. Mas o que ouvimos sempre do mecenas do Mercado, Roberto Castello Branco, não é que ele faz todo o esforço para aumentar a concorrência? Como que ele está na verdade é ajudando a fortalecer oligopólios privados? Contradições da vida. Agora teremos apenas cinco empresas privadas que farão o que quiserem com o preço do gás de cozinha vendido para 95% dos lares brasileiros, e nenhuma estatal para atuar em momentos de ainda maior abuso.
Gráfico 3 – Participação de mercado por empresa distribuidora de GLP no Brasil – dezembro de 2019
Mesmo sendo um alerta de uma associação empresarial, que visa unicamente o seu próprio lucro, é verdade o que diz a Asmirg. E isto pode ser ainda pior para o GLP. Após uma grande crise do petróleo, iniciada em março do ano passado, estamos agora com uma elevação no preço do barril de petróleo, o que faz aumentar o preço do GLP. O brent, que chegou a ser comercializada por 19 dólares em abril de 2020, hoje já ultrapassada os 55 dólares e tem uma tendência de alta – intensificada com o início da vacinação pelo mundo.
No caso do GLP, tivemos o aumento de sua demanda em meio à pandemia da Covid-19, pois com as pessoas em casa se demandou mais botijões residenciais, o que fez com que a crise mundial não impactasse na diminuição do seu preço, e sim no seu aumento. Agora com a elevação da demanda mundial por petróleo e gás, poderemos sim ter o cenário em que o botijão de gás custe R$ 150, caso a Petrobrás não mude a sua atual política de preços. Mas até agora temos apenas Castello Branco tranquilizando a Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom), que cobra um aumento ainda maior dos preços da Petrobrás, para que estes importadores possam lucrar ainda mais em nosso país. Além disto, o Estado saindo do mercado deixando todas as decisões de preço e produção para alguns poucos empresários.
Vejamos como toda esta tragédia impactará em um país que já tem mais de 14 milhões de desempregados e que acaba de perder o auxílio emergencial.
[1] Eric Gil Dantas - Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), é doutor em Ciência Política.
[2] https://petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/precos-de-venda-as-distribuidoras/glp/
[3] Importante lembrar que a venda das refinarias para empresas privadas não mudará isto, e sim irá tirar do governo a possibilidade de atuar nestes preços. Vide artigo escrito sobre o tema: http://www.fnpetroleiros.org.br/artigos/91/por-que-a-venda-das-refinarias-criara-monopolios-privados-e-quais-sao-as-consequencias-disto
Fonte: FNP
Comentários
A visão mercantil rentista da atual gestão da Empresa é contrastante com o que realmente o país precisa. A PETROBRAS não tem o papel de dar lucro e somente isso, ela tem o papel social e desenvolvedor para o país. Será que tudo o que nós construímos e desenvolvemos deve ser vendido para os outros nos venderem produtos muito mais caros. Em nome de um discurso de sanar as contas quando que, na verdade, estas contas não foram criadas pelos petroleiros, tampouco pela sociedade brasileira. Até quando vamos aprender esta lição?
Outro " grande resultado" da maldita PPI.
Nao adianta fazer arminha !
O Estado é um.pessimo gestor.
Precisa ficar na educação , saúde e segurança Pública apenas.
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