e deixar para trás ideias estatizantes e intervencionistas’.
A urgência é apresentada em números. Segundo o executivo, o país perde R$ 2,6 bilhões a cada ano com o atraso da entrada em produção de uma plataforma”.
"Queremos gerar volume, e 25% de muitas plataformas é muito melhor do que 55% de nenhuma ou de poucas, como a gente está agora", disse.
Oddone.
Oddone trabalhou 30 anos na Petrobras, onde entrou em 1985. Integrou as primeiras equipes de exploração da Bacia de Campos e fez carreira internacional na estatal, tendo passado Iraque, Líbia e Angola. Presidiu a Petrobrás na Bolívia e na Argentina, e foi vice-presidente de Investimentos da Braskem. Deixou a diretoria da Prumo em 2016 para assumir a ANP.
A entrevista foi dada ao Valor, após sua volta de um giro por oito países: Inglaterra, EUA, Austrália, Malásia, Cingapura, China, Rússia e Noruega.
Sua visão de mundo
“Precisamos ter coragem de corrigir o que não deu certo e deixar para trás as ideias estatizantes e intervencionistas que vimos que não funcionaram. Às vezes parece que não conseguimos sair daquelas ideias dos anos 50.
Cada vez que divulgamos uma medida para estimular a atividade aparece gente dizendo que estamos cedendo à pressão das empresas, insinuando que temos postura de colonizados.
Acho que é o contrário. Pensar isso é que é submissão. Estamos escolhendo o caminho que queremos seguir. Quem acha fazemos isso pressionados por outros é que demonstra ter uma mentalidade de colonizado”.
Para ele, deverão entrar no país cerca de US$ 80 bilhões de investimento direto até 2019 e as reservas de petróleo e gás devem dobrar.
Critica a exigência de conteúdo local e diz que recebeu os representantes da Sinaval e Abimaq, que defendem o conteúdo local, mas que “nos níveis anteriores, a atividade paralisou. Tanto assim que o governo mesmo reformulou a política. O fato é que as contratações não vieram”.
Reconhece, que o nível de atividade recuou devido à queda do preço do barril de petróleo de 100 para menos de 50 dólares, mas também devido à concentração na Petrobrás e, principalmente, pela paralisação dos leilões de 2008 a 2013.
Sobre os ganhos da União Federal no setor: “A União se apropria de 75% da renda do petróleo, o "government take" como se fala em inglês, que é o conjunto de resultados que sobram depois de pagos todos os custos”.
O fato da Petrobrás participar ou não com os 30% nos próximos leilões, não traria grandes mudanças para a União, pois seu montante sobre a renda total subiria para 79%, uma diferença de apenas 4%.
Por fim, “Se vai produzir o petróleo daqui a 20 anos, se trouxer a valor presente é nada. Quem mais perde com isso é a sociedade. É preciso coragem de propor alguma coisa, e é o que estamos fazendo”
Uma outra visão de mundo
O presidente da Abimaq (Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos), José Velloso [2], comentava "Desde o primeiro leilão de blocos exploratórios, em 1999, as exigências de conteúdo local têm sido empregadas como ferramenta de desenvolvimento nacional conduzida com sucesso pela Petrobras. Àquela época a Petrobras adquiria mais de 65% de suas demandas de bens no Brasil. Portanto a Política de Conteúdo Local não nasceu no governo anterior e sim no Governo de FHC."
Segundo o presidente do Clube de Engenharia [3], Pedro Celestino, " Estão querendo trocar um modelo bem sucedido, inspirado pela Noruega, por um desastre econômico e social, cujo símbolo entre estudiosos é a Nigéria... Embora este país esteja entre os maiores produtores de petróleo do mundo, 70% da sua população vive abaixo da linha de pobreza e a taxa de desemprego é superior a 20%. Este país é um barril de pólvora. É o que acontecerá conosco, se a Petrobrás deixar de cumprir o seu papel histórico, o de âncora do nosso desenvolvimento industrial."
O presidente da AEPET, Felipe Coutinho, comenta: ”Para que o Brasil se desenvolva é necessário produzir o petróleo do pré-sal na medida de nossa necessidade. Deve-se agregar valor ao petróleo cru com sua transformação em mercadorias úteis, por meio do refino, da petroquímica, da química fina, da indústria de fármacos e fertilizantes. Não devemos embarcar em novo ciclo do tipo colonial e permitir a exportação de petróleo, muito menos por multinacionais que esgotaram suas reservas e cobiçam nossos recursos para resultados privados de curto prazo, e possivelmente predatórios.
O modelo de negócios da Petrobrás deve ser diferente daquele adotado pelas multinacionais (IOCs) e que resultaram em rotundo fracasso. Ao invés de mirar na agregação de valor para o acionista no curto prazo, deve objetivar a segurança energética e alimentar dos brasileiros”[4].
É importante lembrar que a Constituição de 1988 fazia a distinção entre empresas nacionais e estrangeiras, tendo sido retirada em 1995, na mesma reforma constitucional que abriu para as empresas privadas nacionais e estrangeiras o exercício do monopólio do petróleo da União Federal, exercido até então apenas pela Petrobrás, desde a Lei 2004/1953 e incorporado à Constituição em 1988.
Conteúdo local
A defesa do conteúdo local é praticada pelos países preocupados em desenvolver suas indústrias e tecnologia. Foi assim com a Inglaterra, os EUA, Alemanha, Japão e outros. Em seu livro, "Chutando a escada", o professor Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, relata como estas e outras nações romperam a barreira, fazendo o que recomendam que não façamos.
As empresas estrangeiras aqui se instalam, quando são forçadas ou estimuladas, para ter acesso ao mercado local. Fecharão a fábrica quando entenderem ser mais conveniente importar da matriz ou de outra filial, priorizando a remessa dos lucros como dividendos para seus acionistas.
Os impostos pagos são menores, graças à política governamental de beneficiar às compras em fabricantes no exterior, menos tributados que os fabricados no Brasil e favorecer a exportação de petróleo bruto, que também pagam muito menos impostos que na venda de derivados no mercado interno.
Os empregos com os melhores salários e o desenvolvimento dos produtos se dão em centros de pesquisas e universidades localizados na matriz, onde estão o centro de decisão e os acionistas.
A Petrobrás, ao contrário, sempre procurou priorizar o reinvestimento de seus lucros, distribuindo uma parcela menor como dividendos aos acionistas, que terão o valor de seu patrimônio aumentado pelos investimentos efetuados, garantindo maiores dividendos futuros.
Os resultados de uma empresa estatal não são avaliados apenas pelo lucro que ela apresenta em seu balanço, mas, muito mais importante, pelo efeito que ela provoca na economia do país (geração de empregos e impostos, desenvolvimento de tecnologias e crescimento de modo geral).
Um exemplo disto é a conclusão de estudo do Associação Brasileira de Engenharia Industrial – ABEMI, indicando que para cada R$ 1.000 investidos pela Petrobrás são investidos R$ 600 em outros setores da economia brasileira.
É claro que isto não interessa aos especuladores, em busca de ganhos fáceis na Bolsa de Valores. Mas à Petrobrás interessa prestar contas ao acionista que compra suas ações preocupado em investir em uma companhia sólida, geradora de empregos e desenvolvimento para o país, diferentemente do especulador.
Participação da União Federal na renda do petróleo
A participação da União na renda do petróleo é bem inferior ao estimado pelo Diretor da ANP. Segundo Paulo César Ribeiro Lima, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, para o campo de Libra, considerando hipóteses otimistas de 41,65% de óleo para a União, este valor, calculado em 2013, seria cerca de 60%.
Ocorre que, pelas regras do leilão, o valor de 41,65% (que considera o barril de petróleo Brent variando de US$ 100 a 120 e a média de produção dos poços, de 10 mil a 12 mil barris/dia) pode cair para 9,93% (com o preço do petróleo até US$ 60 e produção de 4 mil barris/dia). No outro extremo, subiria para apenas 45,56% (preço superior a US$ 160 e produção maior que 24 mil). (ver Tabela) [5]
Além disso, do lucro bruto são subtraídas uma série de despesas não contempladas, como custos exploratórios, pesquisa e desenvolvimento, despesas tributárias e financeiras, reduzindo ainda mais a parcela da União.
Para os dias de hoje, Paulo César estima que a parcela da União seja da ordem de 40%, tendendo a cair, contra mais de 80% na Noruega. [5]
Quanto à questão de ser indiferente para a União quem vai extrair o petróleo, se a Petrobrás ou uma multinacional, os motivos vão muito além do pagamento dos impostos e taxas, que é uma obrigação de qualquer empresa.
A diferença é exatamente quem vai determinar onde serão efetuadas as compras de equipamentos e serviços, gerados os empregos, efetuados os investimentos em pesquisa e desenvolvimento e quem ficará com a posse do petróleo.
A discussão sobre a Lei que retirou a obrigatoriedade da Petrobrás ser a operadora única do pré-sal, participando com um mínimo de 30% nos investimentos, deixou isto bem claro. [6]
Produção de petróleo e leilões
A produção de petróleo no país deve ser compatível com o nível de consumo interno, com pequena margem de exportação, ao contrário da preocupação desenfreada de extraí-lo o mais rapidamente possível.
Há uma pressão dos políticos, bancos e empreiteiras para usar os recursos em obras, que vão gerar comissões e toda sorte de má administração, sem qualquer preocupação com o futuro, como faz a Noruega com seu Fundo Soberano.
A alegação de que devemos vendê-lo enquanto há interessados, pois em breve o petróleo não vai valer mais nada, é apenas mais um instrumento de chantagem dos grandes países consumidores, com reservas em extinção. Basta ler as previsões da Agencia Internacional de Energia para as próximas décadas, para ver que o petróleo e o gás continuarão sendo as principais fontes de energia mundial. [7]
O Brasil tem um grande mercado interno, ao contrário dos países exportadores de petróleo. A melhor forma de utilizá-lo é na criação de fábricas e no desenvolvimento do consumo interno, como fazem as grandes economias mundiais.
O professor Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, defende que devemos manter nossas reservas para consumo interno, caso contrário, poderemos “nos converter num Iraque do futuro, ou mesmo numa Noruega, que, apesar de seu bom senso, perdeu 1/3 das reservas financeiras que havia amealhado com a venda de petróleo e gás”. [8]
Não é por outra razão que nos EUA, seus dirigentes são mais ciosos na defesa dos interesses de seu país. Em 2006 o Congresso americano impediu a venda da empresa de petróleo Unocal à China que concorria com a americana Chevron, embora fizesse uma oferta maior.
Segundo Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Colúmbia e prêmio Nobel de Economia em 2001, “Os EUA pregam a importância dos mercados livres, mas negaram essa mensagem ao rejeitarem a oferta chinesa. Sem querer, demonstraram que os interesses nacionais estão acima do funcionamento do mercado”. [9]
Guilherme Estrella e Barbosa Lima Sobrinho
Para o geólogo e ex-diretor da Petrobrás, Guilherme Estrella, que participou da descoberta do campo de Majnoon, no Iraque, em 1976; foi superintendente do Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes); diretor da Petrobrás e coordenador da equipe que viabilizou a exploração do pré-sal no Brasil, “ ‘Já se disse que “o país está à deriva, falta um projeto nacional’. Não concordo.
O Brasil está na firme, forte e inabalável trajetória – devida e competentemente organizada por gente muito competente – de tornar-se uma nação submissa, subserviente, sem soberania diante de interesses não brasileiros”. [10]
Estrella segue a linha de pensamento de outro brasileiro, Barbosa Lima Sobrinho, ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa e um dos responsáveis pela redemocratização do país.
Em entrevista à Folha de São Paulo [11], no final de 1996, respondeu à pergunta se via os EUA como inimigo do Brasil:
“Os Estados Unidos cumprem com o seu papel. Se ele encontra entreguistas nos outros Estados, temos que condenar esses países, e não os EUA, que se aproveitam da fraqueza deles.
Folha - Qual é o problema dos partidos políticos brasileiros?
Barbosa Lima - Em 1968, no livro "Presença de Alberto Torres", escrito para reagir contra o entreguismo dos militares, eu disse que, no Brasil, só havia dois partidos: o partido de Tiradentes, defendendo os interesses do Brasil, e o partido de Joaquim Silvério dos Reis, traindo os interesses do Brasil”.
Estas são duas visões de mundo, do país e de valores.
Cabe a cada um decidir qual delas pode garantir o futuro que deseja deixar para seus filhos e as futuras gerações.
[1] http://www.valor.com.br/brasil/5064006/para-anp-e-hora-de-deixar-de-lado-ideias-intervencionistas
[2] http://portalclubedeengenharia.org.br/info/opiniao-da-abimaq-acabar-com-conteudo-local-e-crime-de-lesa-patria
[3] http://portalclubedeengenharia.org.br/info/reacao-na-petrobras-querem-trocar-a-noruega-pela-nigeria
[4] https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2016/06/o-fracasso-das-iocs_por-felipe-em-jun16.pdf
[5] http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ce/arquivos/apresentacao-paulo-cesar-ribeiro-consultor-legislativo-cd-1
[6] https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2015/12/aepet-responde-ao-serra_02.pdf
[7] https://www.eia.gov/todayinenergy/images/2017.09.14/main.png
[8] Plebiscito popular: questão nacional, Lessa C, Valor Econômico 06/06/2012, pag. 13
[9] Jornal O Estado S. Paulo, 01/01/2006
[10] http://sosbrasilsoberano.org.br/guilherme-estrella-os-brasileiros-devem-promover-uma-ruptura-radical-que-anule-os-atos-do-atual-governo/
[11] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/12/26/brasil/18.html
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